terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Levítico: o Livro do Super-Homem

PARTE I: LEVÍTICO 1 – 17

O mais interessante na Bíblia é o fato de ser um livro de livros, uma história de histórias. Se você já viu um seriado, você sabe do que estou falando. Um seriado tem diversos episódios. Cada episódio tem uma história com começo, meio e fim. No entanto, cada episódio é parte de uma história maior com começo, meio e fim, geralmente formada ao longo de toda temporada. A Bíblia se apresenta da mesma forma: uma grande história composta de pequenas histórias. Histórias que falam sobre dor. Histórias que falam sobre sofrimento. Histórias que falam sobre amor. Histórias que falam sobre redenção. Histórias dentro de uma grande história. A grande história do Deus que deseja se relacionar conosco. A grande história do Deus que se preocupa com o que existe dentro de nós. A grande história do Deus que pagou esse alto preço para se aproximar de nós.

O livro de Levítico é um desses livros que está dentro desta grande história. E, nesta pequena história, há uma letra marcante: a letra S. Um livro que fala sobre sacrifício. Um livro sobre sangue. Um livro sobre sacerdócio. O livro do S.

Na primeira parte do livro, a ênfase é clara: para se aproximar de Deus, é necessário sacrifício. E este sacrifício é apresentado a partir de dois parâmetros.

1. Sacrifício envolve sangue

Alguém precisa assumir o dano. O pecado entrou no mundo e trouxe a separação. Trouxe a morte. Trouxe o sangue. E, para se achegar a Deus, algum sangue precisa ser derramado. Assim, o livro começa mostrando os diferentes sacrifícios que envolvem sangue. E adivinha para quem sobrou. Sobrou para os animais. Sobrou para o bode, o cordeiro, o novilho, as aves e por aí vai. Para que a conexão com Deus seja mantida, sangue precisa ser derramado.

Para cada prática, um tipo de sacrifício é requerido. Se é em atitude de dedicação da vida, a oferta é o holocausto. Se é motivada pela dedicação da colheita ou da produção, a oferta é de manjares. Se é fruto de gratidão, a oferta é de paz. Se é pelo dano que deve ser carregado, é a oferta pelo pecado. Se é pelo dano que deve ser quitado, é a oferta pela culpa. Mas, todos eles tinham algo em comum além do sangue. Eles precisavam dar do que tinham.

2. Sacrifício envolve sacerdócio

Esses sacrifícios citados, no entanto, não seriam oferecidos por qualquer um. Algumas pessoas foram separadas. Algumas pessoas foram dedicadas. Essas pessoas eram os levitas. Eles eram os encarregados desta responsabilidade de conduzir o sacrifício. Assim, esta parte inicial do livro descreve como o sacrifício deve acontecer, o que o sacerdote deve fazer, o que precisa evitar, sempre apontando para um contexto de pureza, reverência, honra e respeito.

Para isso, algumas pessoas específicas tornam-se mediadores entre o povo e Deus. Uma tribo com uma tarefa especial foi escolhida para o serviço. E que serviço desafiador! Imagine a responsabilidade! Imagine o privilégio!

O primeiro bloco de Levítico mostra essa importância do sacrifício. Um povo chamado para ser santo precisa conectar-se com Deus. E essa conexão vem através de sacrifícios. Essa conexão é estabelecida através do preço pago por alguém. Essa conexão precisa ser feita por alguém e através de alguém. Neste sentido, sacrifício envolve sangue. Sacrifício envolve sacerdócio.

Nesta primeira parte do livro, é interessante notar algo extremamente singular que é descrito neste contexto de sangue e sacerdócio. É o Dia da Expiação, Yom Kippur (capítulo 16). Nesse dia, um sacrifício específico era realizado. Era o sacrifício oferecido por toda nação. O sumo sacerdote – o sacerdote acima de todos – entrava num lugar especial chamado “Santo dos Santos”, uma vez por ano apenas, e ali, oferecia um sacrifício por toda nação. Depois de oferecer o sacrifício por si próprio, de modo a torná-lo puro, o sacerdote teria diante de si dois bodes que seriam sacrificados. Cada bode simbolizava algo particular. Um deles seria sacrificado pelo pecado do povo. O outro, o bode expiatório, seria enviado ao deserto, simbolizando a saída do pecado do meio do povo.

Mas por que isso é tão interessante? O que tudo isso tem a ver conosco? É singular contemplar o quão precioso tudo isso é para nós. A primeira delas é que há um alto preço. Imagine você, com seu último bode, ainda novinho, e que precisa ser sacrificado. A pergunta que pode surgir é: como vou me alimentar depois? Sacrificar um animal significava sacrificar a própria fonte de renda. Significava sacrificar aquilo que poderia alimentar a família. E isso nos leva a uma nova perspectiva. De repente, pecado torna-se algo sério. Torna-se algo que causa um grande dano. Através da doação daquilo que temos de valor, podemos compreender um pouco o quanto machucamos Deus. E o interessante é notar que os sacrifícios não deviam ser oferecidos de qualquer jeito e nem com qualquer animal. Deveriam ser oferecidos da melhor forma e com o melhor animal que se possuía. Deus pegou pesado nessa, hein? Deus partia daquilo que poderia ser o mais importante para o povo e assim ensinava sobre o custo do pecado, o dano do erro, o valor do sacrifício. Você percebe o que significava pecar para aquele povo?

Agora imagine a situação contextualizada para os dias de hoje. Imagine que você tivesse que sacrificar algo que você possui em sua casa cada vez que pecasse. Um par de meias. Um par de sapatos. Mas não qualquer par de meias ou sapatos, mas os recém adquiridos nas últimas compras. Um conjunto de roupas novinhas. É... Aquela que você nem usou ainda. Se o pecado fosse “grande”, seria a televisão. Depois, a geladeira. Em seguida, o fogão. Ou o salário do mês. Imagine se o mesmo fosse exigido de nós hoje. Se a cada pecado, tivéssemos que oferecer algo que possuímos. Fico imaginando o que será que ainda teríamos em casa ou se ainda teríamos uma casa.

Com a prática do sacrifício, o povo era levado a cultivar em sua mente e coração o custo que envolvia. E esse custo era alto. E aqui que tudo se torna ainda mais interessante. Sabe por quê? Porque, graças a Deus, você não precisa abrir mão do que tem para pagar o dano causado pelo pecado. O preço já foi pago.

O Super-Homem de Levítico

Você não precisa vender seu apartamento. Você não deve dar nenhum dinheiro para uma igreja para ter terreno no céu. Você não tem que financiar no banco sua dívida com Deus. Jesus quitou todas as dívidas. Ele pagou o preço. Assumiu todo dano. O bode agradece. O cordeiro regozija. E eu e você nos aliviamos.

No entanto, Deus deseja que saibamos que o custo foi alto. Na verdade, altíssimo. Assumir uma dívida tão grande exigiu que Deus entrasse na história, desse seu único filho e que ele carregasse toda culpa e todo pecado naquela cruz. E Jesus, o Cristo, pagou de modo definitivo, de uma vez por todas. Não havia outra pessoa que pudesse fazer isso e ele fez. O Messias dedicou sua vida, oferecendo-se como o holocausto definitivo. Serviu a Deus dedicando tudo o que tinha, tornando-se a oferta de manjar plena. Fez isso em gratidão, revelando a oferta de comunhão que nos trouxe a paz. Assumiu o dano carregando-o e sendo a oferta pelo pecado. Quitou a dívida, fazendo-se a oferta pela culpa que nunca mais precisará ser oferecida. E mais do que isso: naquela páscoa de sua morte, celebrou o Yom Kippur final. Foi o bode oferecido pela nação e o bode expiatório que retirou do meio do povo todo pecado, morrendo fora da cidade.

Depois de tudo isso, você acha que é o fim. Mas ainda não é. Eu falei apenas do que ele fez através de seu sangue. Ele foi mais que isso. Ele não foi o sacrifício que envolveu apenas sangue, mas o sacrifício que envolveu o sacerdócio. Não foi apenas o sacrifício, mas também quem realizou o sacrifício. Foi a oferta e o ofertante. Foi o cordeiro e o sacerdote. Foi o sangue derramado e o executor de tal tarefa. Ele mesmo se deu. Ele mesmo se ofereceu. Jesus não terceirizou o trabalho, mas envolveu-se em todo processo. Ele mesmo se colocou em nosso lugar, fazendo tudo o que precisa ser feito. Foi por isso que pôde dizer: “Está consumado”.

Minha reação é olhar para Levítico e para resposta trazida no Novo Testamento que podemos ler no livro de Hebreus - o qual mostra Jesus como Sacerdote Supremo e Sacrifício Final - e dizer que Levítico é o livro do S. S de sacrifício. S de sangue. S de sacerdócio. S de Super-Homem. Super-Homem porque ele fez o que nenhum homem conseguiria fazer. Ele tinha todo poder, mas escolheu o amor. Ele podia vencer pela força que destruiria vidas, mas venceu pela entrega que reconstruiu almas. Calou as multidões que zombavam, batiam e o humilhavam ao permanecer em silêncio. Venceu a morte ao ir ao seu encontro e ressuscitar no amanhecer do terceiro dia. E você percebe o quanto isso custou para ele? Você percebe o quanto ele nos amou?

O problema é que, diante de tudo isso, o pecado ainda continua sendo banalizado. O pecado não é levado a sério. A transgressão não é vista como prejudicial. A falta de pureza não é algo digno de atenção. Pecar faz parte. Pessoas se dizem cristãs, mas continuam a lidar com o pecado de modo indiferente. Não olham para o custo que ele traz. Não têm consciência do dano que causa. Não se esforçam para evitá-lo. Não lutam para superá-lo. Não perseveram no Senhor. Antes, fecham os olhos para o quanto é destrutivo. Pecado hoje é uma palavra em desuso. Numa sociedade relativista, o pecado se torna relativo. Aliás, o que é pecado em uma geração na qual somos deuses de nós mesmos? A perda de parâmetros leva-nos a indiferença com relação ao pecado. Culmina na separação de Deus, na irreverência diante do Todo-Poderoso, na desonra do Pai Eterno, na insubmissão ao Santo Senhor. Não é para menos que nossas cidades estão como estão. Deus está deixado de lado. Seu amor não é reconhecido. Sua vida não faz diferença. É necessário repensar. Levítico nos leva a isso.

Assim, a pequena história deste livro aponta para a grande história de Jesus. Do começo ao fim, a Bíblia tem a ver com Jesus. Em Levítico, um alto preço era necessário ser pago para que o ser humano fosse aproximado de Deus. Séculos depois, Jesus pagou esse preço definitivamente. Será que isso não será suficiente para constranger você e eu para amá-lo e dedicarmos nossa vida a ele? Será que não vale a pena viver por alguém que fez tanto assim por nós?

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